Agronegócio

A revolução no conceito de carne

Postado em 17 de dezembro de 2020

4 minutos de leitura

Caroline Giantomaso

A revolução no conceito de carne
A revolução no conceito de carne

O diálogo abaixo relatado aconteceu num dia normal, como qualquer outro, de um brasileiro comum que foi almoçar na casa de sua mãe.

– Mãe, esse parmegiana você fez com filé mignon? – indaga o filho. A mãe já inquieta responde prontamente:

– Lógico que sim, por que? Está ruim? – O filho já percebendo que poderia ter feito o comentário de outra maneira para não magoar a dona da casa que fez um almoço para a família com todo o carinho, tenta concertar a situação:

– Não, mãe, está bom! Mas a carne não está tão macia assim…

Nesse momento entra em cena a matriarca da família, a avó, que nos últimos quinze anos de sua vida almoçava diariamente na casa da filha e com todo garbo, elegância e conhecimento de causa dispara:

– Minha filha, está muito gostoso, mas poderia estar melhor. Essa carne provavelmente é de um boi tucura ou de um gabiru! Enganaram você.

A família, que recebia a avó todos os dias para o almoço, caiu na risada e assinou embaixo a fala. A mãe, inconformada, foi tirar satisfação com o açougueiro que vendia carne para a família há mais de 40 anos. A revolução na busca por uma qualidade de carne atinge a todos na cadeia, não somente os mais entendidos ou os que trabalham no setor.

A narrativa acima, pode parecer um romance ou mais uma história comum, mas retrata a nova realidade do mercado de carne no país: o brasileiro aprendeu a comer carne e cada vez quer mais qualidade, maciez e padronização. E com a maciça informação disponível no mercado, não se faz mais de tonto.

O crescimento de renda observado nos últimos 15 anos no mercado doméstico brasileiro, elevou uma classe ao consumo cada vez mais de serviços e experiências, em relação à carne bovina. O boi tucura, o boi gabiru, estão dando lugar cada vez mais de forma consistente a um gado precoce e de diferentes raças e/ou cruzamentos.

Num passado recente, o açougueiro “enfiava” carne velha, sem padrão, para clientes, fossem fidelizados ao local de compra ou não. Hoje em dia, com o avanço do interesse e acesso às informações, o “novo açougueiro” trata seu cliente com atenção e, por que não dizer, preocupação. Consumidores buscam conhecer mais sobre cortes e raças e, procuram na hora da compra, se certificar que estão comprando e pagando por um bom produto, somado ao interesse de saber como se deve fazer e servir cortes diferentes, exigindo do vendedor de carne uma profissionalização de conhecimento e serviços.        

Esse movimento fez surgir inúmeras boutiques de carne, que além de oferecerem um produto e atendimento de qualidade, vem oferecendo também a experiência, ou seja, fazendo degustação de diferentes cortes e raças, atraindo cada vez mais a atenção e o paladar dos consumidores, assim como ensinando-os a melhor manusear o produto carne.

Evidentemente que estamos falando sobre um nicho de mercado, que vem se consolidando e amadurecendo, sempre lembrando que vivemos em um pais continental de muitas diferenças sociais, econômicas e nos padrões de consumo. Por outro lado, o mercado de carne de qualidade, ganha espaço, principalmente pela falta de padronização do boi e da carne produzidos no Brasil. O consumidor acordou na busca de um produto de maior valor agregado em termos de maciez e padronização. Vale lembrar que quando a rede de fast food McDonalds veio ao Brasil, na década de 80, comprava-se carne somente de gado argentino e uruguaio, devido à falta de padronização da produção.

Isso mudou e continua evoluindo. O mercado amadureceu, tanto pela necessidade de produzir mais e competir com outras atividades (grãos, floresta, cana-de-açúcar), assim como para atender um mercado mais exigente, seja interno, seja externo. A narrativa do filé a parmegiana feito com filé mignon de boi velho e sem padrão vai continuar existindo, mas com dias contados, sendo precificado para baixo e inviabilizando a atividade.

Temos no mercado de forma cada vez mais distinta o boi commoditie, que vai atender a demanda por volume e preço, o boi commoditie diferenciado, o gado padronizado, mas que é cada vez mais jovem e resultado de melhoramento genético e/ou cruzamento, e, por fim, o gado gourmet. Esse é o gado altamente precoce, com dieta balanceada e que traz ao consumidor a experiência de comer carne bovina.

O cliente final, se tratando de carne bovina, está menos bobo e mais interessado em conhecer sobre o mercado e suas peculiaridades, o que exige de toda a cadeia, da indústria de insumos ao varejo, uma atenção especial. Isso desde o que oferta ao animal para a engorda, assim como a forma de produzir, chegando à forma de comercializar. Uma vez enganado e/ou decepcionado com qualidade do produto, a cadeia perde a confiança do consumidor, que não pensa duas vezes em mudar locais de compra, assim como hábitos de consumo.

O padrão o gado brasileiro evolui, assim como a produtividade dentro e fora da porteira e a demanda por carne bovina.  Hoje não se fala mais de carne de primeira ou de segunda, e sim, boi de primeira e boi de segunda. E isso é uma evolução de toda a cadeia.

Ps. A narrativa é real. A dona da casa é minha mãe, e após esse almoço foi reclamar veementemente com o açougue e seus donos. Há hoje quem diga que é só chegar no açougue e pedir a carne que ele vende para a Dona Nair. Segundo alguns, é a melhor. Fica a história e o aprendizado para todos, consumidores e operadores de carne.

Artigo escrito por Thiago Bernardino, professor da Plataforma Solution.

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